13.10.08

Maria Flor

Maria Flor se sentia perto de tudo. Perto do chão. Perto do céu. Perto, inclusive, da distância.
Maria Flor pensava que tudo na vida era simples. Desde que não se perdesse o controle sobre si mesmo e junto disso, a cabeça.
Maria Flor viajava o mundo inteiro enquanto durmia e tinha uma história para cada cantinho do planeta por onde ela passou.
Maria Flor queria se chamar Margarida. Mas uma dia parou pra pensar e percebeu que poderia ser chamada pelo nome de qualquer uma das flores existentes. E isso vai de Cravo a Rosa, dependendo do humor dela.
Maria Flor costumava sorrir mais do que chorar. Via graça em tudo. Não por deboche, mas por beleza. O mundo fazia questão de ficar bonito para ela.

7.10.08

Carta.

Eu preciso escrever pra você. Sobre o mundo, sobre mim.
Queria escrever pra você e me entender.
As coisas têm acontecido depressa demais, não consigo acompanhá-las e analisá-las ao mesmo tempo.
O tempo se reduz ao necessário, às vezes nem isso. Eu estudo, eu trabalho, eu me irrito; e isso consome todo tempo dos meus dias. E geralmente tudo me irrita. As pessoas me irritam. E como irritam, mesmo sem se esforçarem pra isso. Além delas, o trânsito, o trabalho, as conversas, o calor, o mau-gosto... tudo me irrita, inclusive eu mesma e a maneira como eu ajo diante das situações.
Como eu me decepciono comigo! Na maioria das vezes, com as coisas que eu não fiz, não falei, não quis. Nada daquela hipócrita frase: “só me arrependo do que não fiz”. Muito pelo contrário. Me arrependo de muitas coisas que faço, de muitas coisas que penso. Mas a verdade é que deixo de fazer muitas coisas e é exatamente esse pensar e não fazer que me irrita. Na maioria das vezes não faço, não falo, me calo e brigo com isso, comigo. Quem vê nem percebe, acha que não tenho nada a dizer. Mas eu tenho e são muitas coisas, interessantes, sabe? Mas poucas são as pessoas que sabem disso.
Às vezes sinto que não pertenço a esse mundo, que caí aqui por acaso. Acho que é por isso que nem sempre me encaixo. Esse mundo não me pertence, sinto como se tivesse invadindo ele.
Precisava escrever pra você, seja você quem for, mesmo que não seja ninguém.

Retrato de uma brasiliense.

Ela estava atrasada, como sempre. Vestiu a roupa correndo, engoliu uma fatia de pão às pressas e procurou a bolsa em meio à bagunça que estava em cima do sofá da sala. Apertou o botão do elevador no mínimo cinco vezes e vendo que alguém estava segurando no quarto andar, resolveu, muito irritada, descer de escada; morava no primeiro andar, mas descer 50 degraus de salto alto era o fim.
Na garagem, percebeu que alguém tinha arranhado o carro. “É meu dia de sorte!” pensou. Mas não tinha muito tempo para pensar, deixou o arranhado pra lá e entrou no carro. Passou por uma quadra, nada de engarrafamentos. Quando olhou bem à frente estava lá, a multidão de carros parados um atrás do outro, só esperando que ela se juntasse ao grupo.
No sinal, o menino que fazia malabarismo pediu um trocado. Do modo mais educado que conseguiu, disse: “sai menino, meu humor não está bom hoje”. E assim foi, lenta e irritadamente, até desaguar na Esplanada do Ministérios. “São seis faixas, não é possível que engarrafe”. Sempre pensava isso, mesmo sabendo que as seis faixas nunca eram suficientes para quantidade de gente que andava de carro em Brasília. Ela não entendia porque em cada carro havia apenas uma pessoa. “Se cada carro fosse ocupado por cinco pessoas, haveria menos da metade de veículos que estão aqui hoje”. Era uma coisa que a irritava, essa falta de compreensão das pessoas.
Passou pela Torre de TV e nem percebeu que o céu estava artisticamente pintado de nuvens. Aliás, nem sequer olhou para o jornal que o rapaz vendia. Na manchete, um assassinato na quadra onde morava. Ela não sabia e nem estava interessada em saber, só queria ter um tipo de carro com pneus gigantes para passar em cima de todos aqueles carros que estavam empacando seu caminho.
Enfim, chegou ao seu destino: Congresso Nacional. Uma hora de atraso. Uma bronca do chefe. Ela tinha cargo comissionado. Seu trabalho era apresentar o prédio aos turistas que queriam conhecer a capital do país. O primeiro grupo já estava esperando e ao passar envergonhada entre eles, ouviu uma conversa: “As pessoas de Brasília são tão frias, não costumam dar um simples bom dia!”. Sem dizer nada, contestou: “Esses turistas generalizam tudo. Nem todos brasilienses são tão arrogantes assim”.